sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Destaque na Olimpíada de Língua Portuguesa

A redação da aluna Sabrine Rafaella de Fátima Oliveira, do 7º ano ficou em primeiro lugar, na categoria 2 - Memórias Literárias - e representará nosso município na próxima etapa. As professoras Cida e Poliana trabalharam essa categoria observando os seguintes ítens:

- Reconstrução de aspectos da história local a partir de entrevistas com antigos moradores;
- Escrita de narrativa, transposição da linguagem oral (entrevista) para o registro escrito (texto de memórias literárias);
- Uso adequado de tempos verbais e indicadores de espaço para situar o leitor em uma época passada.


A entrevista foi feita com a srª Íris Dulce, dona Quetita e depois os alunos fizeram as redações. Leiam o texto vencedor:

"No Povoado do Pascoal me chamam de Quitita, mas meu nome é Íris, Íris Dulce. Tenho 68 anos e moro aqui já faz 40 anos. Vim morar aqui, na casa dos meus sogros em 1970, pois aqui não havia residências para alugar, como se encontram agora. Estava casada há pouco tempo e recém–formada, ansiosa para dar minhas primeiras aulas.

Quando me mudei, toda essa área que hoje são os bairros Quinta dos Palmares, Itamaracá, Itapoã e tantos outros era uma fazenda só, que começava na altura de onde hoje é a pamonharia Oca do milho e se estendia até o atual ponto de ônibus do Manoel Cordeiro. Apaixonei-me imediatamente pela região, onde imaginei criar muitos filhos, a correr felizes pelo quintal.

Essas terras foram passando de geração a geração por centenas de anos até chegar à família do meu marido. Vocês não imaginam a minha emoção ao dormir numa casa com mais de 250 anos e que foi no passado a senzala dos escravos. Quantas vezes, ao andar pelo quintal, eu parava em frente ao tronco em que os escravos eram açoitados e, à noite, demorava a dormir, julgando ouvir múrmurios e lamentos. Depois, quando adormecia, sonhava com seus cantos e danças.

Hoje, as máquinas da obra, ali paradas, quase entrando no meu terreno, fazem mais fortes as lembranças do passado. Imagino que nesse terreiro em frente à sala, debaixo dessa mangueira, onde todos que aqui vêm gostam de se sentar, penso que no tempo da escravidão, aí os negros realizavam seus rituais. Pois era também nesse espaço que era estacionada a carroça puxada por cavalos, que trazia as compras que fazíamos na cidade de Paraopeba.

Naquele tempo, comprar por aqui era coisa rara, pois produzíamos a maior parte do que consumíamos. Fazia-se queijo, rapadura, plantávamos cana, milho, mandioca, verduras e os quintais eram cheios de pés de jabuticaba, manga, goiaba e laranja.

As festas no povoado eram uma beleza, e tenho muitas saudades delas. A de Nossa Senhora do Rosário, de São Sebastião, as Folias de Reis e as Pastorinhas revelavam a fé do povo. Desses grupos, os que saíam de casa em casa eram recebidos com todo respeito e depois da visita, nós moradores devotos, seguíamos com eles para outras casas da vizinhança. Tudo isso se foi com o tempo e agora raramente ouço falar de uma manifestação por perto.

Eu tenho muito amor por este lugar, mesmo não tendo nascido aqui. Vi a construção da escola do Pascoal, orgulhosa por incentivar meu sogro a doar o terreno para tal, felicíssima por ser uma das primeiras professoras. Isso foi em 1970 e trabalhei nela até me aposentar. Enquanto isso, meu marido ajudava o pai na lida com a terra e os animais: algum gado leiteiro e de corte, porcos e galinhas. Minha sogra, D. Francisca, tecia cobertas para nós e outros vizinhos naquele tear que guardo como lembrança.

Mas hoje em dia tudo está mais moderno e tem tratores querendo destruir a minha casa. Imaginem! Para a duplicação da BR 040, o Dnit, em seu projeto, vai atravessar meu sítio, cortando quase minha sala. Sei que muitos dizem que são tolices de uma velha, mas me recuso a abandonar minhas centenas de jabuticabeiras, essa minha casinha de adobe e telha coxa de mais de 300 anos. Já recorri até ao Presidente Lula, em carta, solicitando a preservação desse patrimônio histórico. No entanto, para qualquer lugar que eu olhe, lá estão as máquinas com seu barulho ameaçador. Na sala, na foto, meus sogros me observam. Vou para a cozinha, abro meu armário de 170 anos e retiro minha panela. O velho fogão de lenha já está aceso.

Não me perguntem pelo futuro, pois não sei dizer. Porém, ainda tenho um sonho envolto em todas essas memórias."

Um comentário:

  1. Sou suspeita para falar, mas me arrepio toda vez que leio esse texto, e olha que foram muitas.
    Obrigada pelo incentivo, mais uma vez.
    Abraços,
    Cida.

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